uma carta a você (2009)

a vida de quases, preciso ajeitá-la. porque já não dá para esperar pela próxima tempestade. os eucaliptos, todos firmes e imóveis sob tuas palavras ideais. cortemo-os para alimentar nossas fogueiras. nem o plástico sobrevive à sua presença, toda a atividade elétrica se resume em teus olhares, as manifestações terrestres teus passos, movimentação constante – áreas isoladas. o clima você é imprevisível. eu sempre esperei e esperava por aquele teu talvez bom senso, pela tua capacidade de me ver – melhor. nunca escrevi para – sobre você. o máximo foi forma dialógica, mesmo assim pouco. nunca precisei convencer ninguém; é – o que acontece – uma apropriação mútua. você não. você não sei. talvez se inaugurasse uma nova forma de consciência, podiamos tentar. o esforço – todo – pouco conta, e por inabilidades várias não estamos juntos. é inaceitável; isso porque eu sou você, isso porque me perdi em você. quando estamos juntos não existe humano capaz de me desviar de você. não existe palavra que emita que não busque calorosamente teus ouvidos, o assunto seja qual for. meus olhos já tem medo de procurar os teus, medo de encontrá-los – tudo é de alguma forma libertação. não me sentirei como um sôfrego amante romântico porque não sei o que resta de nosso romance. foi tomado – será – da maneira mais óbvia por algum oportunista? talvez não seja tão mal o oportunismo; o ruim [será]: permitir que as pessoas tenham liberdade – escolha. se me apropriasse, se a tomasse a mim, se a fizesse decidir pelo meu julgamento, se chorasse, me lançasse a seus pés, se a exaltasse  em clamor com todas as palavras existentes desde o alto dos céus até o encanto mais sublime de um culto pagão; se me adaptasse mais a ti ou simplesmente não me adaptasse. se ocupasse cada espaço livre a seu redor e nas direções em que olhasse só estivesse qualquer representação desse eu – que talvez – certamente – já não o seria. optei pela liberdade. como um mímico atuei, te fiz uma caixinha, linda. nela, coloquei – à ti – um chocolate imaginário, duas pétalas de uma rosa – das que plantaríamos juntos em qualquer canteiro e veríamos florescer até que fossem tornadas reais em sua pele –, um papel pequeno onde escrevi, à mente: liberdade, escolha. me resignei a esperar (luvas brancas atadas – mãos), olhos vivos. com os pés juntos, o corpo esticado,  mão em concha à lateral da cabeça, escutava o silêncio ao meu redor. espero, espero. ao sol poente – a libertação dos demônios, já não aceitei restar àquela observação – me postei de costas. ainda escutava, e o silêncio crescia a cada passo. tapei os ouvidos. andava, corri, mas nem me  aproximei do fim da estrada, voltei em um desespero pendular, nos mais irônicos passos cabisbaixos de quem percebe o quanto perde em ir embora. já retornado, posto no mesmo lugar – estátua – sorri ao reimaginá-la; ainda tive que sofrer em esperá-la chegar e ali me prostrei em espera. ali me assentei ao ar, em espera. ali me sentei ao chão, em espera. ali me ajoelhei e rezei em espera. ali me levantei novamente em espera. dali despenquei ao chão em espera. inquietude, expectativa: a vi! não soube se havia o que fazer. o contato estranho primeiro, segundo. a sinceridade é o que pode ser – num mundo hipócrita.  nunca fui capaz de arriscar qualquer pouco em troca de um projeto mental de vitória. meus dias têm sido o máximo febril de um esforço além do humano para tê-la ao meu lado. o efêmero – do seu sorriso – e o permanente – do brilho de teu olhar quando os meus o encontram – continuam e existem, por mais que – por orgulho ou resistência, medo, incapacidade, falta de cooperação, esforço ou nada disso, até – não estejamos juntos.

não posso acreditar na existência humana enquanto tentativa frustrada e repetida de encontrar a felicidade porque você existe e está aí.

***

por anos este texto terminou com: “eu preciso de você. [não consigo terminar esse texto]”. agora, olhando para trás, me pego pensando. essa felicidade era minha. o desejo de amar, ser amado, escolher, ser escolhido, gostar, ser gostado, esperar, ser esperado, ouvir, ser ouvido, expressar, tocar, mover, agradar, zelar, aquecer, abraçar, ser, em tudo, a si mesmo e ao outro, a cada passo, batida e respiração, até tudo cessar.

o desfecho desse texto não é a ausência de texto. o desfecho aqui é o desejo de vida.

por isso esse texto não pode ter fim.